sábado, dezembro 03, 2005

Ovelha Negra - crítica de Antônio Hohlfeldt

Antônio Hohlfeldt - cultura@jornaldocomercio.com.br

02/12/2005

Um espetáculo estranho


Estranho, curioso: dark. Não encontro outro adjetivo para caracterizar Ovelha negra: A versão do rebanho, criação coletiva do grupo Ameixa Fúcsia, com dramaturgia de Jorge Rein e direção de Luciane Panisson.Num primeiro momento, é quase um ritual. O espectador é convidado a colocar uma venda nos olhos e conduzido para dentro do espaço cênico onde ouve falas cochichadas ao ouvido e depois textos que se entrecruzam. Então, é um ritual, mesmo, que está acontecendo em cena, quando somos todos convidados a retirar a venda. O que visualizamos é uma prédica religiosa que envolve uma pregadora e alguns devotos.
O espaço cênico de Álvaro Vilaverde é totalmente "dark": objetos espalhados por todo o espaço, pedaços de pano, sobras do que parece uma guerra. É um espaço marginal, sem dúvida. E ali (sub)sobrevivem seres humanos marginais. Felizmente, a dramaturgia escapa de simpatias simplórias: as pessoas resolvem a seu modo os seus problemas, mas respeitam uma espécie fundamental de mandamento: a cada dia, após o encontro religioso, vão umas às casas das outras, onde buscam objetos e coisas propositadamente deixados para serem apanhados. Uma espécie de socialização que, um belo dia, é quebrada com a chegada de um estranho, por isso mesmo denominado de Ovelha Negra.
Que é uma fábula, não tenho dúvidas. Que se trata de defender a concepção socialista e comunitária de vida, também não. Que para isso tudo idealizou-se um espetáculo denso, difícil de ser realizado e interpretado, igualmente fica evidente. Aliás, o elenco jovem, composto por Cícero Neves, Letícia Schwartz, Magali Hochberg, Patrícia Ragazzon e Patrícia Sacchet, faz das tripas coração para cumprir com todas as exigências, o que não é de modo algum fácil. Neste sentido, sem ter nenhum grande intérprete, até porque o elenco é muito jovem para o desafio que lhe é colocado, o conjunto é harmonioso e respeitável, por todo o esforço que realiza com convicção.
O resultado de todo o trabalho é, como disse desde o início, um espetáculo denso, tenso, estranho e dark. É dark na maneira como apresenta o tema, é escuro no modo como a cena se desenvolve. É pesado pelas alternativas buscadas e pelo propositado rebuscamento, aliás, muito identificado com a dramaturgia de Rein, que gosta de textos ambíguos, pequenas piadas rápidas, personagens e tipos incomuns. O que se pode dizer é que durante quase hora e meia é difícil desviar a atenção da cena, mesmo com as cadeiras pouco confortáveis, com o calor e com a complexidade do trabalho. Às vezes cansa, a gente se distrai: mas em seguida acontece algo novo em cena e lá estamos nós, de novo, a prestar-lhe atenção. Se esses foram os objetivos do grupo, pode-se garantir que foram atingidos.
Distantemente inspirados em Ítalo Calvino, como explica a diretora, fica a provocação e a sugestão. Conheça esse espetáculo: na pior das hipóteses, você não passará incólume por ele.

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